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19 de Abril de 2024

17 anos depois, rapaz que pôs fogo em índio quer ser policial

Publicado por OAB - Rio de Janeiro
há 10 anos

O rapaz que cumpriu medida socioeducativa pelo assassinato do índio em uma parada de ônibus da 703 Sul, em 20 abril de 1997, está na última fase de seleção para agente da Polícia Civil do Distrito Federal. Situação provoca controvérsia entre juristas

Um dos envolvidos no assassinato do índio Galdino, que chocou o país na década de 1990, acaba de ser aprovado na última fase do concurso público para a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). O nome dele aparece na lista do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), publicada em 16 de abril. O resultado definitivo, com a análise de conduta social e outros questionamentos, deve ser divulgado na próxima semana. Na época em que Galdino foi queimado em uma parada de ônibus da 703 Sul por cinco jovens de classe média, G. N. A. J. Tinha 17 anos e respondeu pelo ato infracional análogo ao crime de homicídio. Especialistas ouvidos pelo Correio divergem quanto à possibilidade de ele atuar como agente de polícia.

A promotora de Justiça aposentada Maria José Miranda esteve à frente da acusação durante a maior parte do processo - só não participou do júri de quatro dos cinco jovens por questões pessoais. Ela considera inadequada a aprovação de G. N. A. J. Para os quadros da PCDF. "Não é certo isso. No meu entender, à época, o rapaz ficou impune, pois só cumpriu alguns meses de medida socioeducativa, e isso não foi proporcional à gravidade do crime cometido por ele e os demais. E ele já era uma pessoa que tinha pleno conhecimento do que fazia", disse. Para Maria José, G. Teria dificuldades em se tornar policial. "Ele teria problemas tanto com os colegas quanto com os criminosos. Que moral teria para cumprir a lei se ele mesmo não cumpriu a pena por um ato criminoso praticado? Na minha opinião, legalmente, ele até tem direito de ser policial, mas, moralmente, não", acrescentou.

Professora de direito penal e constitucional da Universidade Católica de Brasília, Soraia da Rosa Mendes é favorável a que ele tome posse. Ela lembra que qualquer legislação minimamente garantista e moderna assegura a quem cumpriu pena o direito de não passar o resto da vida sendo responsabilizado por um erro pelo qual foi punido. "Pode ser que esse rapaz atue na polícia e construa uma carreira de glória", compara.

Entendimento

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), já existe o entendimento de que os editais de concursos públicos podem exigir a avaliação de conduta social como requisito essencial para aprovação do candidato. Pela Corte, a investigação não se resume a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que porventura tenha praticado. Mas deve também avaliar a conduta moral e social, visando aferir o comportamento frente aos deveres e às proibições impostos ao ocupante de cargo público da carreira policial.

Apesar de terem cometido o homicídio triplamente qualificado e condenados a 14 anos de prisão em 2001, os quatro acusados à época maiores - Max Rogério Alves, Antônio Novely Vilanova, Tomás Oliveira de Almeida, Eron Chaves de Oliveira -, além de G. N. A. J., não têm fichas criminais hoje. Pela lei, o crime praticado só é resgatado caso a pessoa condenada cometa nova infração penal. Por isso, os cinco conseguem apresentar declarações de nada consta sem a informação de terem ateado fogo em Galdino, em 20 de abril de 1997.

Eron trabalha no Detran. Ele foi aprovado no último concurso para agente. Na época, o promotor Maurício Miranda, que atuou no júri do caso de Galdino, disse que as pessoas devem recomeçar a vida, sem discriminação. Procurado ontem, ele preferiu não se pronunciar sobre a nova polêmica.

Memória

Na madrugada de 20 de abril de 1997, cinco jovens de classe média alta atearam fogo ao corpo do índio Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, que dormia na parada de ônibus da 703 Sul. A vítima era da etnia Pataxó Hã Hã Hãe, do sul da Bahia, e estava em Brasília para participar das comemorações do Dia do Índio, festejado no dia anterior ao crime. Galdino não resistiu aos ferimentos e morreu cerca de 20 horas depois de dar entrada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) com dificuldades respiratórias e problemas renais. Uma semana depois da brutalidade, o local onde o índio foi incendiado vivo foi batizado de Praça do Compromisso e, mais tarde, de Praça do Índio.

Em 3 de junho do mesmo ano, um ato de protesto marcou a inauguração da obra do artista plástico goiano Siron Franco, que criou o Monumento Galdino - com uma tonelada e 2,2m de altura. A peça foi produzida com base no desenho feito pela perícia policial do corpo do indígena. O monumento fica a 50m do ponto de ônibus onde os jovens atearam fogo ao indígena.

Outro envolvido no assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, se tornou servidor público no ano passado. Eron Chaves Oliveira foi aprovado, em 2012, em concurso para assumir o cargo de agente de trânsito do Departamento de Trânsito (Detran). O nome dele apareceu em uma lista de 27 pessoas que se declararam deficientes, conforme publicação no Diário Oficial do Distrito Federal. Para concorrer à vaga, Eron e os demais candidatos tiveram de apresentar um laudo médico emitido até 12 meses antes do último dia da inscrição, além de um formulário com o nome da doença, a provável causa, e a espécie e o grau ou nível da deficiência.

Existe algum impedimento para alguém envolvido em assassinato assumir uma vaga na Polícia Civil?

NAO: Chico Leite, procurador de Justiça licenciado e deputado distrital

"Não existem, entre nós, penas perpétuas. Se a conduta social demonstrada quando menor de idade revela inaptidão para a posição de policial civil, que se fizesse uma nova avaliação para não cometer a injustiça de julgar uma pessoa no presente apenas pelo seu passado. Nesse sentido, seria feita uma verificação atual da compatibilidade entre a personalidade e o exercício do cargo, eis que já se passaram 17 anos desse caso. Se nós não formos capazes de acreditar na possibilidade de resgate do ser humano para a vida em sociedade, é melhor decretar a morte física, o que seria um absurdo, porque a pena perpétua é uma morte moral. Veja os casos dos fichas sujas na política. A lei impede o exercício de cargo público por oito anos, mas um ficha suja 'mata', na verdade, uma geração inteira (de eleitores dele)".

SIM: Max Kolbe, membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF

"Como eu vou colocar uma pessoa para investigar um crime, um agente da polícia, que já ateou fogo em outra pessoa? É um absurdo. Juridicamente, por causa da legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é branda em relação aos crimes cometidos por menores infratores, ele (G.) tem a ficha limpa. De acordo com o artigo 143, em sua ficha não pode constar nada que reporte ao crime que ele cometeu enquanto menor. Então, legalmente, poderia ser considerado apto para o exercício do cargo, mas, na vida prática, não funciona assim. Diante das responsabilidades da função, a análise da vida pregressa e da idoneidade moral do indivíduo é fundamental em concursos públicos. No caso de G., ele foi aprovado nas duas, pois nada consta em sua ficha criminal. No entanto, na minha opinião, ele não tem idoneidade moral para ocupar o cargo de agente".

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61 Comentários

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Pode ser preconceito meu, mas uma pessoa que é capaz de colocar fogo em outra tem algum distúrbio. Assumir um cargo em outro órgão público tudo bem, mas na polícia? Depois ninguém sabe porque a polícia no Brasil é corrupta e mata cidadãos de bem. continuar lendo

Eu também não consigo entender como alguém que foi capaz, aos 17 anos, de atear fogo em alguém pode ser capaz e TER VONTADE de proteger/salvar alguém. Quantos Amarildos ainda desaparecerão por conta de gente assim? Só acho.. continuar lendo

Ou mudamos a lei, reduzindo a idade minima para responder criminalmente, o que teria levado o agente a cumprir pena por alguns anos, ou assumimos que a lei está correta e ele pode ser funcionário público, pois já cumpriu sua pena e assim deve ser reintegrado à sociedade. O que não podemos é querer que a lei seja cumprida para condenar e cumprir pena na forma em que está e depois não cumprir a lei para reintegrar o agente. continuar lendo

Eu concordo que a pessoa tem direito a uma segunda chance, porém, há casos que exigem muita atenção. Não acho que o problema seja o crime em si, mas a forma de como ele foi realizado. Você dar um tiro ou uma facada em alguém é uma coisa, você queimar já é doentio, ou dar 15 tiros, ou esquartejar.

Há tipos de crime em que o autor tem algum distúrbio. Tomara que os examinadores da polícia estejam preparados para identificar pessoas assim e principalmente psicopatas. acompanhei de perto, pelo PAI-PJ, pessoas que realizaram crimes desse tipo, a maioria tinha algum disurbio. continuar lendo

Eu sou contra um cidadão desse assumir cargo efetivo na policia, e ter sua idealização de proteger a sociedade de crime. continuar lendo

Se podemos ter deputado federal presidiário, por que não podemos ter policial ex-interno da Fundação Casa/Febem?

Hoje temos senadores sub judice, um inclusive é ex-presidente que sofreu impeachment devido a escândalos de corrupção. O que é muito sério.

Se acreditamos que o sistema penitenciário recupera o cidadão, não deveria haver problemas na contratação deste policial (até porque, salvo melhor juízo, não há lei que impeça que ele tome posse).

Em relação à sua condição moral e psicológica para o exercício da função, o exame psicotécnico deve ser aplicado a todos. continuar lendo

A lógica jurídica e social apontam para que o candidato aprovado tenha todo o direito de ser investido no cargo e não pode ser submetido a um juízo de moralidade subjetivo. Imagine como seríamos se cada um de nós fôsse submetido a um julgamento "moral"pelos nossos erros, e estou certo que todos os temos.

Agora um outro enfoque é só para que saibamos de onde vêm os policiais. Pasmem eles vêm da mesma sociedade em que viviemos! Assim quando desqualificamos a nossa polícia é preciso admitir também que somos uma sociedade doente, combalida, fraca e sobretudo violenta. E também somos hipócritas! continuar lendo

A culpa dessa situação esdrúxula é o maniqueísmo do ECA. Explico: o sujeito, hoje, é ficha limpa, embora tenha incendiado um ser humano, por que foi beneficiado por essa legislação que não pune, nem deixa consequências. Não digo que a proteção à criança e ao adolescente deveria inexistir. Mas, misturar casos em que o indivíduo tem 10/12 anos com situações em que o "acusado" conta com 17 anos, trezentos e sessenta e quatro dias , vinte e três horas e cinquenta e nove minutos, é ou não maniqueísmo? Já que não querem submetê-los incondicionalmente ao CP, pelo menos que ele - CP - seja usado como norte para a gradação das consequências dos ilícitos criminais cometidos por menores, levando-se em consideração as específicas condições biopsicológicas de cada um, inclusive refletindo em casos como o ora discutido (não poder, por exemplo, assumir uma função grave como a de policial). continuar lendo

Você sabe o que significa maniqueísmo amigo? continuar lendo

Prezado Murilo Varjão:

Qualquer pessoa que minimamente interpreta o que lê, ao conferir o meu comentário, saberá em que sentido a palavra "maniqueísmo" foi empregada. Então, eu te devolvo a pergunta: você sabe o que pode significar "maniqueísmo"? Mas, não vale só o significado lido no Google.
Na verdade, não usei a palavra "maniqueísmo" de acordo com o significado oficial, porém, conforme o contexto do que escrevi. Abraços. continuar lendo