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25 de Abril de 2024

Torturador rompe silêncio de 41 anos sobre Casa da Morte

Publicado por OAB - Rio de Janeiro
há 12 anos

Depois de cinco horas de conversa, o velho oficial estava livre de um dos mais bem guardados segredos do regime militar: o propósito e a rotina do aparelho clandestino mantido nos anos 1970 pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis, conhecido na literatura dos anos de chumbo como "Casa da Morte", onde podem ter sido executados pelo menos 22 presos políticos. Passados quase 40 anos, um dos agentes que atuaram na casa, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, de 74 anos, o "Doutor Pablo" dos porões, quebrou o silêncio sobre o assunto.

No jargão do regime, revelou Malhães, a casa era chamada de centro de conveniência e servia para pressionar os presos a mudar de lado e virar informantes infiltrados, ou RX, outra gíria dos agentes. O oficial não usa a palavra tortura, mas deixa clara a crueldade dos métodos usados para convencer os presos:

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'Eu organizei o lugar', disse Malhães

"Para virar alguém, tinha que destruir convicções sobre comunismo. Em geral no papo, quase todos os meus viraram. Claro que a gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa de Petrópolis era para isso. Uma casa de conveniência, como a gente chamava".

As equipes do CIE, afirmou, trabalhavam individualmente, cada qual levando o seu preso, com o objetivo de cooptá-lo. O oficial disse que a libertação de Inês Etienne Romeu, a única presa sobrevivente da casa, foi um erro dos agentes, que teriam sido enganados por ela, acreditando que aceitara a condição de infiltrada.

Malhães só não contou o que era feito com os que resistiram à pressão para trair. Diante da pergunta, ficou em silêncio e, em seguida, lembrou que nada na casa de Petrópolis era feito à revelia dos superiores. As equipes relatavam e esperavam pela voz do comando: "Se era o fim da linha? Podia ser, mas não era ali que determinava".

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'O susto era sempre a morte', afirmou torturador

Até terça-feira, quando o militar abriu a porteira do sítio na Baixada Fluminense aos repórteres, nenhum dos agentes da casa havia falado sobre ela. O que se sabia era o testemunho de Inês Etienne, colhido em 1971 mas só divulgado em 1979, após o período em que cumpriu pena por envolvimento com a guerrilha da VAR-Palmares. Outras referências ao local apareceram em entrevistas e livros de colaboradores do regime, como o oficial médico Amilcar Lobo, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) e o delegado da Polícia capixaba Cláudio Guerra.

Sentado ao lado da mulher no alpendre da casa maltratada pelo tempo, Malhães revelou que já pertencia ao Movimento Anticomunista (MAC) quando ingressou nos quadros da repressão. Sua ascensão, iniciada com um curso de técnicas para abrir cadeados, fazer escuta, aprender a seguir pessoas, foi rápida. Após o golpe militar, passou pela 2 Seção (Informações) e pelo Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército (RJ) antes de ingressar no Centro de Informações do Exército (CIE), onde passou a perseguir as organizações da luta armada pelo país.

A casa de Petrópolis, na Rua Arthur Barbosa 668, Centro, teria sido um trabalho específico de Malhães já dentro do CIE. Ele afirmou que o imóvel, emprestado à repressão pelo então proprietário, Mario Lodders, não era o único aparelho com esse propósito: "Tinha outras. Eu organizei o lugar. Quem eram as sentinelas, a rotina e quando se dava festa para disfarçar, por exemplo. Tinha que dar vida a essa casa. Eu era um fazendeiro que vinha para Petrópolis de vez em quando", contou Malhães, que se recusou a revelar o nome das sentinelas e não se deixou fotografar.

Cada oficial, informou, contava com sua própria equipe, que podia incluir cabos, sargentos, policiais federais, delegados ou médicos. De acordo com o coronel, na maioria das vezes, as equipes trabalhavam com um preso de cada vez na casa. Esse seria o motivo alegado por ele para desconhecer o destino de presos citados na lista dos desaparecidos políticos.

"Eu trabalhei uns cinco ou seis. Às vezes, passava de um mês com um", explicou.

O oficial disse que as táticas para cooptar e formar os infiltrados variavam, e cada um deles era detalhadamente estudado antes da abordagem, tanto sua ideologia como a família. Malhães disse que chegou a ficar preso por 30 dias numa cadeia, disfarçado, em tentativa de arregimentar um RX. Depois que os presos mudavam de posição, eles eram filmados delatando os companheiros. No depoimento sobre os cem dias que passou na casa, Inês Etienne relatou que fingiu ser uma infiltrada e foi filmada contando dinheiro e assinando um contrato com seus algozes.

Sobre o destino de alguns nomes de presos, que arquivos ou testemunhas apontam que estiveram na Casa da Morte, ele disse que o ex-deputado federal Rubens Paiva não passou por lá, mas admitiu ter visto Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, comandante da VAR-Palmares desaparecido em fevereiro de 1971. "O Beto talvez tenha conhecido", informou.

Questionado novamente se os militantes da luta armada eram assassinados, ele respondeu: "Se ele deu depoimento, mas a estrutura (da organização guerrilheira) não caiu, ele pode ter sofrido as consequências".

O coronel reformado disse que, além da garantia de sigilo, era oferecida ajuda financeira aos infiltrados, embora nem todos aceitassem. Uma reunião do PCdoB em São Paulo, afirmou, teria custado R$ 50 mil. Sem fornecer qualquer prova além das declarações, disse que nem todos os desaparecidos teriam morrido no período.

"Na lista de desaparecidos tem RX. E muita gente morreu em combate. Desaparecido é um termo forçado. Em combate, tudo pode acontecer. E você não vai achar desaparecido nunca", declarou ele, ao negar as formas conhecidas até aqui para desaparecimento dos corpos.

Para o ex-preso político Ivan Seixas, diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, Malhães é fundamental para esclarecer o destino dos desaparecidos:

"Ele foi um dos três coordenadores operacionais da repressão, ao lado de Freddie Perdigão Pereira e de Ênio Pimentel Silveira, que já estão mortos".

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O mundo é, e sempre será um lugar de escolhas e de consequências dessas escolhas. Toda a história do mundo, do Brasil, do seu Império e de sua República sempre utilizou razões dignas, envolvendo direitos humanos, busca da felicidade, busca por qualidade de vida para os cidadãos e necessidade de organização da sociedade em estado de direito para que pessoas propensas a abusarem do direito do outro não prosperassem como motivos justos para decisões envolvendo a coletividade. Mas o problema de uma sociedade sempre foram os "ismos", a justificação de fatos absurdos em prol de um "bem maior", tal como a fala do tal "Wanderly Gomes" que comentou a 1 ano atrás; possivelmente 54 milhões pensam parecido com ele e votaram nas últimas eleições com convicções parecidas com as dele no último pleito presidencial. Nenhum regime, decisão ou situação social justifica a colocação de tarados em locais que não merecem e a institucionalização de taras dando-lhes um aspecto de legitimidade alegando ameaças que podem perfeitamente serem debeladas utilizando-se ferramentas adequadas em conflitos, sejam eles armados ou não, levantamentos de informações não são necessários mediante estupros e assassinatos. Mas sempre haverão pessoas que pensam assim. O que não as livra e nem livra a sociedade que a elas é conivente das consequências disso; o Rio de Janeiro hoje é um estado onde predomina a barbárie, e bravatas de que "bandido bom é bandido morto" não vai resolver o problema, afinal os piores bandidos do país possuem curso superior e são nossos vizinhos em condomínios fechados de luxo; o Brasil, entra ano e sai ano paga pelas consequências de ser conivente com pessoas que não merecem convívio em sociedade por serem coniventes inclusive com esses tarados, alguns ainda vivos e torcendo para que o país os esqueça, pois essa conivência não gera apenas consequências em comissões da verdade da vida, que digam os 400 mil mortos desnecessariamente em um ciclo pandêmico que poderia ter tido consequências bem menores se o pensamento político da sociedade fosse mais evoluído; todos nós somos culpados de uma forma ou de outra. E não tiremos a responsabilidade dos outros 45 milhões que votaram no segundo colocado nas urnas mesmo sabendo das mazelas cometidas nos governos anteriores; grande parte dos 99 milhões que votaram justamente nos dois únicos candidatos cujas as coligações não mereceriam ser votadas hoje possuem um filho, pai, sobrinho, primo, tio ou amigo morto de forma agonizante por uma gripe; e que siga a vida, a escolha está aí, que os brasileiros continuem dizendo "tadinho do tarado, ele é militar, ele é autoridade"; "respeitemos o político fulano de tal, ele rouba mas faz"; "eu não tenho culpa de nada, eu sou engravatado e classe média", continuemos assim; o mundo está aí, escolhas e consequências. continuar lendo

Os militares federais deveria sentir orgulho do sucesso na missão de combater o terrorismo no Brasil. Não se combate terroristas com flores nas mãos. Terroristas não usam fardas para serem identificados. Não fossem os militares, o Brasil teria suas "Farcs" até hoje e a morte de milhares de cidadãos inocentes vitimados por terroristas seria uma realidade brasileira, tal qual o é na Colômbia nos dias de hoje. Isso sem falar na degeneração das liberdades civis no país, caso os terroristas comunistas tivessem tomado o poder. Deus abençoe as Forças Armadas do Brasil e que terroristas e comunistas sejam sempre derrotados nessa terra. continuar lendo

De quanta imundície o ser humano é capaz, a ação de triturar e manipular alguém para que se torne um delator e cúmplice na captura e morte de companheiros será mais torpe do que se tornar um colaborador? continuar lendo