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24 de Abril de 2024
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    Eleição e Deficiência - Geraldo Nogueira

    Publicado por OAB - Rio de Janeiro
    há 12 anos

    A evolução histórica do voto no Brasil começou com o advento da Constituição Imperial de 1824, quando o sufrágio era restrito aos homens maiores de vinte e um anos e com renda anual acima de cem mil reis. Após o período imperial, no ano de 1891, surge a República e, com ela, as constituições republicanas, introduzindo novas regras sobre votação no Brasil. No período compreendido entre os anos de 1891 a 1934, o ato de votar era proibido para mendigos, analfabetos e soldados. Após a revolução de 1930, mais precisamente no dia 24 de fevereiro do ano de 1932, surge pela primeira vez a permissão legal para o voto feminino, ainda que parcial, pois não era obrigatório, como era para os homens e só era permitido para mulheres que tivessem renda própria. Nesta época, foi criada a Justiça Eleitoral e, também, houve a determinação para que os votos fossem secretos, universal e em dois turnos.

    Com o advento da Constituição de 1934, a Justiça Eleitoral, que até então estava organizada por lei infraconstitucional, conhecida como Código Eleitoral de 1932, foi alçada ao âmbito constitucional, mantendo as mesmas condições anteriores em relação ao voto e, como novidade, trouxe a possibilidade da perda ou suspensão dos direitos políticos. Em 1935, surge o segundo Código Eleitoral, que manteve a garantia do voto secreto e obrigava o alistamento das mulheres que exercessem função pública remunerada. Após este período, sustentado por setores sociais conservadores, surge o Estado Novo, promulgando-se a Constituição de 1937, a polaca, como ficou conhecida, por ter extinguido a Justiça Eleitoral, abolido os partidos políticos, suspendido as eleições livres e estabelecido eleição indireta para presidente da República, bem como por ter mantida a vedação ao alistamento dos analfabetos, militares ativos, mendigos e dos que estivessem privados temporária ou definitivamente de seus direitos políticos.

    Com a promulgação da Constituição de 1946, a Justiça Eleitoral retorna ao âmbito constitucional, permanecendo o voto direto e secreto, mas agora obrigatório para as mulheres, consagrando-se também os institutos da perda e da suspensão dos direitos políticos. Finalmente, em 15 de julho de 1965, edita-se novo Código Eleitoral através da Lei nº 4.737 que, ainda hoje, encontra-se em vigor. No transcurso desse tempo, alguns de seus dispositivos foram revogados ou modificados por leis mais recentes que incorporaram o nosso ordenamento jurídico e, especificamente, o sistema eleitoral brasileiro. Atualmente, a Constituição de 1988 é que estabelece os princípios referentes ao direito eleitoral, instituindo a regulação dos direitos políticos, grafados nos artigos 14 a 16, as normas sobre partidos políticos no art. 17 e linhas mestras da organização da Justiça Eleitoral, grafadas no inciso V do art. 92 e nos artigos 118 a 121.

    O Código Eleitoral Brasileiro, Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, incorpora as leis, de inelegibilidade, dos partidos políticos, das eleições, mais legislação correlata e as súmulas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Este arcabouço de normas, além de impor voto e alistamento obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, proíbe o alistamento aos que não sabem se exprimir na língua nacional e aos que estiverem privados de seus direitos políticos, temporária ou definitivamente e, por mandamento da Constituição de 1988, art. 14, § 1º, I e II, ficou determinado alistamento e voto obrigatórios para os maiores de dezoito anos e alistamento e voto facultativos para os analfabetos, para os maiores de setenta anos e para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Assim, a condição de alistamento dos analfabetos que era proibida, passou a ser facultativa.

    Não obstante a existência de exceção grafada no art. , inciso I do Código Eleitoral de 1965, no que se refere à obrigatoriedade de alistamento para os inválidos, os maiores de setenta anos e os que se encontram fora do país, a Resolução nº 21.920/2004 do TSE, tornou o alistamento eleitoral e o voto, obrigatórios para as pessoas com deficiência. Facultando-se o voto aos enfermos, aos que se encontrem fora de seu domicílio e aos funcionários civis e militares, cujo serviço os impossibilite de votar. No entanto, o TSE, entendendo que existem casos de pessoas com deficiência cuja natureza e gravidade desta as impossibilitam ou tornam oneroso o exercício de suas obrigações eleitorais, baixou por resolução o entendimento de que, nestes casos, estas pessoas podem requer por si ou através de terceiros devidamente habilitados, certidão de quitação eleitoral com prazo de validade indeterminado, tornando-as isentas da obrigação de votar.

    No campo da acessibilidade o Decreto nº 5.296/04 que regulamenta as Leis nº 10.048 e 10.098, ambas de 2000, que neste aspecto incorporam o Código Eleitoral no âmbito da legislação correlata, estabeleceu a seguinte regra:

    Art. 21. Os balcões de atendimento e as bilheterias em edificação de uso público ou de uso coletivo devem dispor de, pelo menos, uma parte da superfície acessível para atendimento às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, conforme os padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT.

    Parágrafo único. No caso do exercício do direito de voto, as urnas das seções eleitorais devem ser adequadas ao uso com autonomia pelas pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e estarem instaladas em local de votação plenamente acessível e com estacionamento próximo.

    O mandamento legal acima clarifica a obrigatoriedade dos Tribunais Regionais Eleitorais em manter acessibilidade física e de meios, tanto para a fase de alistamento eleitoral como para o momento de votação pela pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. Ressaltando em seu parágrafo único, a necessidade das urnas estarem adequadas ao uso com autonomia pelo público que especifica. Neste caso, autonomia significa a possibilidade de uso do equipamento por meios próprios ou com auxilio de ajuda técnica.

    E para atender a esta obrigatoriedade legal, o TSE baixou a Resolução nº 23.372/2011, que dispõe sobre os atos preparatórios para as eleições de 2012, aperfeiçoando a terminologia relativa às pessoas com deficiência em norma que se repete nos anos eleitorais desde 2004, estabelecendo em seus artigos 56 e 57, o seguinte:

    Art. 56. O eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida, ao votar, poderá ser auxiliado por pessoa de sua confiança, ainda que não o tenha requerido antecipadamente ao Juiz Eleitoral.

    § 1º O Presidente da Mesa Receptora de Votos, verificando ser imprescindível que o eleitor com necessidades especiais seja auxiliado por pessoa de sua confiança para votar, autorizará o ingresso dessa segunda pessoa, com o eleitor, na cabina, podendo esta, inclusive, digitar os números na urna.

    § 2º A pessoa que auxiliará o eleitor com necessidades especiais não poderá estar a serviço da Justiça Eleitoral, de partido político ou de coligação.

    § 3º A assistência de outra pessoa ao eleitor com necessidades especiais de que trata este artigo deverá ser consignada em ata.

    Em vista do artigo 57 da Resolução TSE nº 23.372/2011, abaixo transcrito, tratar especificamente da pessoa com deficiência visual, poder-se-ia pensar que esta não estaria incluída entre os detentores da prerrogativa acima. No entanto, mesmo com o tratamento especial dado a esse segmento, a norma não lhes trouxe qualquer impedimento para o exercício da prerrogativa do art. 56 e parágrafos. Na verdade, o artigo 57, abaixo em destaque, procura garantir ao deficiente visual, que conheça o sistema braile, o exercício do voto de per si, inovando ainda na regulamentação do art. 150, incisos I e III da Lei nº 4.737/1965, por trazer a previsão da inovação de uso de sistema auditivo ou de marcação da tecla número cinco da urna eletrônica. Assim, não se pode impedir que o indivíduo com deficiência visual, não conhecedor do sistema braile, ou mesmo não habituado para o uso das novas tecnologias, como ocorre em vários municípios do interior do país, requeira o auxílio de uma pessoa da sua confiança para praticar o exercício do voto.

    Art. 57. Para votar, serão assegurados ao eleitor com deficiência visual (Código Eleitoral, art. 150, I a III):

    I a utilização do alfabeto comum ou do sistema braile para assinar o caderno de votação ou assinalar as cédulas, se for o caso;

    II o uso de qualquer instrumento mecânico que portar ou lhe for fornecido pela Mesa Receptora de Votos;

    III o uso do sistema de áudio, quando disponível na urna, sem prejuízo do sigilo do voto;

    IV o uso da marca de identificação da tecla número 5 da urna.

    Mesmo fazendo uso do adágio jurídico lex specialis derogat generali, no que se refere ao artigo 57, acima transcrito, como dissemos, não houve a revogação do direito ao auxílio de outra pessoa para votar. Na realidade, as inovações da Resolução apenas asseguram outros meios para garantir autonomia de voto por pessoa com deficiência visual. A própria Convenção sobre os Diretos das Pessoas com Deficiência, recentemente editada pela ONU (2006), e incorporada ao ordenamento jurídico nacional com força de emenda constitucional (2008), prevê em seu artigo 29, a participação da pessoa com deficiência na vida política e pública, assegurando a acessibilidade aos meios e equipamentos de votação, bem como o auxílio de uma pessoa, se for o caso, para ajudá-la no momento de votar.

    Artigo 29

    Participação na vida política e pública

    Os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de exercê-los em condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão:

    a. assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros:

    I. garantia de que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso;

    II. proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a candidatar-se nas eleições, efetivamente ocupar cargos eletivos e desempenhar quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, quando apropriado;

    III. garantia do livre arbítrio das pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam auxiliadas na votação por uma pessoa de sua escolha . (grifos nossos)

    O importante é o exercício da cidadania, fundamentado na noção de uma sociedade na qual todas as pessoas têm o direito de participar do processo políticos e de debater ou decidir sobre os rumos da política de sua Nação, tendo em mente que estes direitos são universalizados a partir dos princípios da liberdade de expressão, dignidade humana, respeito pela autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, bem como o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana.

    Geraldo Nogueira é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/eleicao-e-deficiencia-geraldo-nogueira/100133373

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