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18 de Abril de 2024

As viúvas da ditadura - Wadih Damous

Publicado por OAB - Rio de Janeiro
há 10 anos

Os 25 anos em que o Brasil viveu sob as botas de uma ditadura militar não deixaram saudades. Foram tempos de obscurantismo, de falta de liberdades, de censura à imprensa e às artes e de perseguições, torturas e assassinatos de adversários políticos do regime.

Espetáculos artísticos como o Balé Bolshoi foram proibidos. Músicos como Chico Buarque tiveram que se exilar. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e, depois, também tiveram que deixar o país.

Clássicos do teatro grego, escritos há mais de 2.500 anos, como Antígona, de Sófocles, foram censurados.

O autoritarismo e a falta de espirito público chegaram a tal ponto de se impedir a imprensa de noticiar que no Rio de Janeiro havia um surto de meningite. Com isso, a população não pode tomar medidas de prevenção, o que teve como resultado mortes de crianças que poderiam ter sido evitadas.

Instituiu-se a cultura da delação, pela qual a simples denúncia de um desafeto, às vezes anônimo, fazia com que pessoas perdessem seu emprego e fossem perseguidas. Com a ditadura foram interrompidas mudanças que tornariam o Brasil mais justo, mais humano e mais democrático. Ela representou um atraso incomensurável para o país.

Apesar disso, há viúvas daqueles tempos sombrios.

Enquanto essas preferências se limitarem ao terreno da opinião, são legítimas. Afinal, divergências são próprias da democracia. Infelizmente, porém, nem sempre é assim. Neste ano em que se completam 50 anos do golpe de estado de 1964, começam a surgir os que pregam novamente a derrubada de governos legitimamente eleitos e a instauração de uma nova ditadura militar. Nesse caso, saímos do terreno de divergências normais numa democracia e entramos em outro terreno, inaceitável.

É o que acontece com a tentativa de reedição da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorrida em 1964 e financiada por recursos do governo americano. Aliás, o mesmo governo americano que, no dia 1º de abril, deslocou para o litoral brasileiro uma frota de sua Marinha de Guerra para intervir a favor dos golpistas, caso isso se fizesse necessário.

Algumas dessas viúvas dos tempos de trevas estão marcando para o próximo sábado, dia 22, manifestações que têm como bandeira o chamado às Forças Armadas para que intervenham, depondo a presidente legitimamente eleita.

Como em 1964, os golpistas usam a bandeira do combate à corrupção, como se na ditadura esta não atingisse níveis muito maiores do que na democracia. Só que com uma diferença: a censura à imprensa impedia que fosse noticiada.

É legítimo numa democracia que todas as correntes de opinião queiram chegar ao poder. Isso vale, inclusive, para as correntes de direita. Mas elas devem disputar as eleições e convencer a maioria do povo de que suas propostas são as melhores para a sociedade. Caso contrário, estarão apenas tentando usar as liberdades oferecidas por um regime democrático para tentar destruí-lo.

Isso é inaceitável.

Viúvas da ditadura - II

No último fim de semana, policiais militares prenderam de forma truculenta jovens acusados de terem participado de um arrastão na praia do Arpoador e tentaram impedir que um repórter da Mídia Ninja filmasse sua ação. Pior: como ele não tinha consigo um documento profissional, o detiveram, por "exercício irregular da profissão". Como se fosse preciso ter identificação de jornalista para filmar algo em via pública!

Em tempo: na delegacia os jovens presos não foram identificados como participantes do arrastão, tendo sido soltos em seguida. Como se não bastasse, os PMs apagaram as imagens gravadas pelo repórter da Mídia Ninja. Não há notícias de punição dos policiais.

Wadih Damous é presidente da Comissão da Verdade do Rio e da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB

Artigo publicado no Jornal do Commercio.

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A despeito do honroso cargo que o Sr. ocupa, eu concordo com todos os fatos verídicos que foram condenados no texto, notadamente com aquele que o Sr. chama de exílio dos 3 cantores. Abomino-os. Quanto aos jovens presos, supondo que estavam rezando no momento da interpelação, nunca vi tamanha injustiça. continuar lendo